Um vendedor formado em Harvard para passar um tempo com suas crianças

Criança segurando pacote de Ruffles. Voz atrás da câmera pergunta:

“Qq é isso?”
“Batataaaaa!”

Mesma criança segurando uma batata. Voz atrás da câmera pergunta:

“Qq é isso?”
“Cebola?”

Fiquei de cara, senti náuseas, vontade de chorar e vergonha de mim mesma (um pouquinho só :~) enquanto assistia “Muito além do peso”, um documentário sobre a obesidade infantil, suas causas e consequências. Crianças de quatro anos hipertensas, diabéticas e com colesterol alto graças a uma mistura de leseira e ignorância, duas condições alimentadas por más intenções da indústria, da propaganda e do governo. Leseira porque, como mãe ruim, acho mesmo que não tem três ou quatro dias de jejum de batata frita que façam uma criança continuar fazendo bico pra comida de verdade. É chato, é desgastante, é difícil, dá vontade de gritar, surrar, fugir, mas não é impossível mudar o comportamento de alguém que mal aprendeu a se comportar. Além disso, de fato é bem mais cômodo ficar abrindo pacotinhos de alimento industrializado e, sem nenhum esforço em manipulá-lo, oferecer seu conteúdo como alimento pros meus filhos (alimentar com responsabilidade também faz parte do combo PARIR, gente). E ignorância, coisa cruel, porque as pessoas realmente acreditam nas lorotas produzidas pela indústria, com a conivência do governo e cantadas com brilho pela propaganda. Razão da minha perplexidade completa e tristeza galopante – quem eu conheço que acredita que Cola Cola realmente abre a felicidade? Fiquei triste de pensar na distância abissal entre aquilo que nós (eu, vc, gente que estudou e tem um pouco de senso crítico e discernimento) entendemos por realidade e aquilo que a realidade significa pra enorme maior parte das pessoas que vivem no mundo, ou neste país. Gente sem educação é a pior das doenças que se pode desejar pra uma nação. #prontofalei

“Zero gordura trans. Ele não ofende o organismo da pessoa. Ao contrário, né? Ele auxilia em alguma coisa.”

Açúcar é gostoso. Eu AMO. Passo mal se fico sem. Tenho vergonha do que faço por conta do vício – coisas como roubar toca-fitas de fiat 147 ou vender meus VTs pra comprar bombons. Se você é meio como eu, o documentário pode te ajudar a sentir umas ecas e baixar seu consumo: fiquei com nojo de determinados tipos de alimentos quando o filme exibe a proporção entre seu volume completo e a quantidade de açúcar (às vezes de gordura, também). Pra ilustrar e todo mundo ficar com nojo também: uma lata de Neston (leite com banana, maçã ou abacate, tudo fica joia se a receita tem Neston - se você quiser também, invente outro, que esse aqui – AHÁ! – é meu!) pesa 400g – destes, 176g são açúcar. É quase metade. E é assim com outros alimentos voltados para nós do time paladar infantil, crianças e bebês, como Farinha Láctea, Toddynhos, refrigerantes, etc, etc.

Refrigerantes merecem um parágrafo. Chocolate é gostoso, brigadeiro é gostoso, doce de leite é gostoso, compotas são MUITO gostosas. São comidas com sabores e texturas complexos, ricos, inebriantes. Mas refrigerante, meu povo, não é. Refrigerantes podem ser refrescantes (assim como qualquer outro líquido quando você está com sede), mas são simplórios, artificiais demais, vazios. Te desafio a beber de forma consciente e analítica o próximo refri e me contar se realmente é simpatia quase amor ou se é só hábito. É só hábito, nem precisa responder depois. Se o lance é o gás, te digo que foi pra suprir essa lacuna que Deus inventou a deliciante água com gás. Pare de beber refrigerante, por favor. É ruim, é caro, é hipercalórico e, perdão, não é nada cool. Pensa naquele gato de wayfarer; agora mentaliza ele segurando uma lata de Coca.

Fim.

“Como é que faz mal se a menina da propaganda tá tomando?”

Eu não sabia quem era Adilson Xavier até a semana passada. A princípio até senti um pouco de pena ao vê-lo exposto à patética condição de solitário defensor do “direito de escolha e do critério de julgamento” das crianças em meio ao toró de argumentos e fatos que se mostram diametralmente opostos a esse suposto ato de cidadania quando se trata do cabuloso poder que a comunicação de massa tem sobre os pequenos. A pena virou ódio quando o infeliz (retrógrado? desinformado? johnny armless? jamais saberemos) chama de incompetentes os pais que não conseguem sobrepor seus argumentos àqueles usados pela publicidade para convencer as crianças. Afinal, bem mais fácil eu com minha cara de ruim convencer o piá a comer espinafre do que o a Galinha Pintadinha tentá-lo a comer Miojo, né? Francamente. Lavou-me a alma googlar o nome do sujeito e descobrir que, além de loser assumido, o gajo é frequentador da escola “Plantão da Madrugada” da publicidade: “Trabalhávamos na Comunicação Contemporânea, uma agência que transpirava criatividade e nos mantinha transpirando diariamente até bem tarde.”  É por esse tipo de babaca que planejo um ritual de purificação para minha alma, que consiste em pegar meu diploma, rechear, acender e fumar até vê-lo transformado integralmente em cinzas.

Em contrapartida, Alex Bogusky, em sua atual jornada de publicitário brilhante arrependido, desconstrói com elegância e completa lucidez os argumentos do colega. Levanta a apavorante verdade de que, ao escolhermos a TV pra ocupar o tempo livre de nossas crias, estamos trazendo pra dentro de casa um vendedor mais do que habilidoso, que será nosso companheiro de debate (reforçando o time adversário) cada vez que os pequenos forem confrontados com uma situação de consumo. Que tal?

“O que mais define um povo se não aquilo que ele come?”

“Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh, vai abrir ColdStone em Curitiba!!!!!!”, alguém me disse faz uns meses – eu nunca tinha ouvido esse nome. “Burger King no Brasil” (essa era comunidade do Orkut, me lembro). Fila no Outback todo dia o dia todo. Etc, etc. Serião, gente. Viajar é imergir numa experiência integralmente única e local – pelo menos pra mim. Que pira errada é essa de querer que todas as comidas de todos os lugares estejam em volta da gente o tempo todo? Pra onde vai o prazer de ter descoberto aquele sabor delicioso durante aquele passeio massa quando o sabor delicioso vem parar aqui na esquina? Vamos deixar as comidas dos outros lugares em paz no canto delas, pra serem admiradas a seu tempo, e valorizar nosso barreado, cachorro quente do Au-Au, X Montanha do Álvaro, pizza da Lanchonete Itália (mentira, lixo sobrevalorizado), a comida da mãe (sdds) e tudo mais que é da terra. É mais gostoso, mais exclusivo e mais sustentável.

***

Veja o filme, me conte depois:

MUITO ALÉM DO PESO from Maria Farinha Filmes on Vimeo.

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2 respostas para Um vendedor formado em Harvard para passar um tempo com suas crianças

  1. Fernando Rosa disse:

    No final, é tudo uma questão de educação. Este vídeo é parecido, mas tem um foco na propaganda direcionada e no consumo das crianças.

    “Aqui está escrito comprar e aqui está escrito brincar…”. O que você acha que as crianças escolheram?

    Criança, A alma do negócio

    • carlotz disse:

      Exatamente. Chocante e cruel. Os dois filmes são da mesma produtora, especializados em atazanar a vida dos propagandistas. :)

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